domingo, 30 de dezembro de 2018

A crise da palavra e as Categorias de Aristóteles

  • Neste apontamento procuramos mostrar que a crise atual da palavra não está desligada do modo como concebemos e interpretamos os conceitos/termos básicos da linguagem. Daí a necessidade de regressarmos à doutrina aristotélica das Categorias, um texto fundamental para a Lógica.
  • O apontamento foi publicado no Jornal "Diário do Minho" (Braga), em 26.12.2018, p. 16. Mas está também disponível (em livre acesso) na edição digital - clique aqui
  • Relacionado com o mesmo assunto, recomendamos, também, a leitura do "Prefácio" ao fascículo 3 (2018) da Revista Les Études Philosophiques, com tradução e adaptação feita por nós. 
  • Foi a publicação deste fascículo que deu o mote ao nosso apontamento.

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"CATEGORIAS DA LÍNGUA, CATEGORIAS DO SER" / "PREFÁCIO"
Kristell Trego. 
“Catégories de langue, catégories de l’être” - “Avant-Propos” 
in Les Études philosophiques, 2018, 3, pp. 337-338
(trad.e adaptação de Carlos B Morais)
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[337] Se as categorias são modos de predicação, não corresponderão elas à estrutura do discurso, bem longe de se conformarem à ordem do real? Um tal questionamento foi certamente muito vivo, quando, no séc. XIX, Adolf Trendelenburg sustentou que as categorias retomavam distinções gramaticais, mas que visavam também conteúdos conceptuais. Desde a sua lição inaugural, (…) convida a ultrapassar a origem gramatical das categorias, para reconhecer a maneira como elas se referem à própria natureza das noções. Conhece-se o debate que o oporá a H. Bonitz. O séc. XX recebeu a herança. No seu artigo «Catégories de pensée et catégories de langue», inicialmente publicado há 60 anos na revista Etudes philosophiques (1958), E. Benveniste retomou a questão para afirmar: «Na medida em que as categorias de Aristóteles se reconhecem válidas para o pensamento, revelam-se como a transposição das categorias de língua. É o que se pode dizer que delimita e organiza o que se pode pensar» (Problèmes de linguistique générale, Paris, Gallimard, 1966, p. 70).
Tal como Kant não foi o primeiro a procurar uma ordem das categorias (contra o seu pretendido carácter rapsódico), a questão das relações das categorias à língua, ao pensamento, mas também ao real, não nasceu com Trendelenburg. Uma tal questão ritma a história da receção das categorias. A exegese neoplatónica grega fornece a moldura: as categorias serão palavras, conceitos, ou coisas? Não é necessário enfatizar uma resposta, em detrimento das outras: as categorias não seriam de facto, como nos convida a pensar Simplício, palavras significando conceitos, e remetendo a coisas? 
O presente caderno pretende esclarecer a tese de Trendelenburg, retomando uma certa história das categorias que aí vê uma fala (une parole) sobre o ser. Mais do que [338] uma alternativa entre categorias da língua e categorias do pensamento, as categorias confronta-nos, para além das palavras que as dizem, com uma certa maneira de perspetivar o real. As contribuições que vamos ler propõem examinar a maneira como as categorias não se deixaram reduzir à determinação linguística que as viu nascer. Atentos à linguagem na qual se dizem as categorias, os autores (dos trabalhos deste caderno) encontraram-se confrontados com o problema da língua das categorias. As categorias aristotélicas, assim traduzidas em diversas línguas e de diversas maneiras, não se poderiam deixar restringir à língua grega que as viu nascer. O seu confronto com a gramática conduziu de facto a exibir uma dimensão inteligível das categorias, irredutível a factos da linguagem.
Num quadro teológico, ou na juntura da lógica e da metafísica, a doutrina das categorias viu-se retomada para apreender o que é nas suas diferentes facetas. Veremos em Bizâncio Photius servir-se das categorias para pensar a predicação da humanidade a tal homem singular, tal como [a predicação] da divindade a Deus. Examinaremos, no território do Islão, a retoma de um questionamento neoplatónico acerca da simplicidade ou composição das dez categorias. Descobriremos igualmente um reinvestimento da doutrina das categorias promovendo o conceito de «coisa» para apreender o que é. Perspetivaremos, em terra latina, uma reflexão sobre a dimensão lógica ou metafísica da ciência categorial. Prestaremos atenção, na Inglaterra do séc. XVIII, à retoma de um questionamento categorial para combater o inatismo de Locke e afirmar a atividade do espírito. Consideraremos de seguida as múltiplas maneiras propostas por Brentano para pensar as categorias e constituir uma ontologia. Regressaremos a Trendelenburg e olharemos para a leitura que ele efetuou em 1846 do questionamento iniciado na sua lição inaugural, sobre a programação das categorias.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

"A Imaginação ao Poder"?

Cartaz do Colóquio
Nos dias 12 e 13 de novembro de 2018 realizou-se, na Universidade do Minho (Braga), a XXª Edição do Colóquio de Outono, Conferência Internacional, dedicada ao tema "Paz e Liberdade. Visões, Discursos, Manipulações" ("Peace and Freedom. Visions, Discourses, Manipulation").
No âmbito deste evento, tive a grata oportunidade de apresentar uma Comunicação, intitulada "A imaginação ao poder"?, na qual pretendi questionar até que ponto a imaginação, à luz da análise estética, é a faculdade mais bem posicionada para lidar o poder, como se podia ler no slogan programático dos revolucionários de Maio de 68, em Paris.
Após a apresentação da Comunicação, seguiu-se, como é habitual, um breve mas enriquecedor diálogo com os participantes.

A quem interessar, aqui fica o resumo da intervenção.

RESUMO:
Ainda que não seja um dado suficientemente conhecido e divulgado, o filósofo Mikel Dufrenne teve com os acontecimentos parisienses de maio de 68, uma relação verdadeiramente sintomática, e por isso mesmo, complexa, quer do ponto de vista ideológico, como sobretudo – que é o que aqui nos interessa – do ponto de vista estético e filosófico. Nesta comunicação pretendemos focar um ângulo dessa complexidade, mostrando que, por um lado, o ambiente cultural então vivido abriu a sua reflexão estética para a compreensão da dimensão social e política da arte e da experiência estética, de um modo como ainda o não tinha conseguido nas obras dos anos 50. Mas, por outro lado, precisamente porque se tratava de refundar o alcance produtivo e revolucionário da arte na realidade envolvente, a categoria catalisadora não poderia centrar-se na "imaginação", por muito importante que esta faculdade mental se revelasse, e que a notada expressão “A imaginação ao poder” pretendia endeusar. Não temos conhecimento de que Mikel Dufrenne tenha contestado diretamente aquele slogan, mas as suas reticências à sobrevalorização do estatuto e do papel da "imaginação" são deveras importantes, dado que nos permitem inferir critérios hermenêuticos de avaliação da relação da arte com o poder, da estética com a política. É também uma outra maneira de revisitarmos os fundamentos da potência subversiva – neste sentido revolucionária – da arte. Daí a eleição da obra estética de Mikel Dufrenne nesta comunicação. 

in: "Livro de Resumos"
Programa do Colóquio 

CEHUM-ILCH - Universidade do Minho, Braga, 12 de novembro de 2018