sábado, 16 de dezembro de 2017

Estética, Arte e Intimidade - Tema de Encontro Científico-Filosófico

Foi com muita satisfação e proveito que ontem participei no IV Encontro Ibérico de Estética, dedicado ao tema: Estética, Arte e Intimidade (cf. comunicação, infra).
O evento foi organizado pelo Centro de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, pelo Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e pela Sociedad Española de Estética y Teoría de las Artes. Teve lugar na FLUL e na FCSH da UNL. 
Este Encontro Internacional pretendeu debater as questões relacionadas com a intimidade, tanto do ponto de vista da estética como da criação artística. Problemas como os da natureza dos sentimentos estéticos na sua dimensão pública e/ou privada, reflexos e representações da intimidade e suas relações humanas na criação artística, papel da estética e da arte na criação de sentimentos de pertença e de identidade, estudo crítico de autores de referência em todos estas matérias, preencheram o rico programa do Encontro.
Esta iniciativa mostra a relevância da abordagem estética de todos os fenómenos humanos. 
Grato à Organização pela oportunidade desta iniciativa.

PROPOSTA DE COMUNICAÇÃO
AO IV ENCONTRO IBÉRICO DE ESTÉTICA: “ESTÉTICA, ARTE E INTIMIDADE”
Lisboa, de 14 a 16 de dezembro de 2017

Título da Comunicação:
          “Experiência estética e relação de intimidade”
Secção de referência:
          1. Estética e intimidade
Resumo:
«connaître, ici c'ést vraiment co-naître»
(Mikel Dufrenne. EP, I, 58).
Na economia do pensamento estético do filósofo Mikel Dufrenne, a categoria da intimidade é utilizada para reforçar os atributos da reciprocidade, da amizade cúmplice, da partilha e comunhão de sentimentos que estruturam a relação que se instala entre o sujeito e o objeto, no âmago da experiência estética. Neste sentido, intimidade é um conceito reticular, permutável pelo de “profundidade”, “interioridade”, “conaturalidade”. Por isso, a experiência estética é, por excelência, um zénite de intimidade, a ponto de espetador-obra-mundo-real aí se desvendarem, ou seja, aí retirem as suas vendas.
Contudo, contrariamente ao que esta notícia poderia deixar entender, a intimidade não designa um evento secreto, nem sequer uma parcela privada da vida oculta dos atores referidos. Decididamente, não estamos no registo do “intimismo”, da afeção particular, ao qual uma certa psicanálise tende a conferir o protagonismo. Damos aqui total guarida ao aviso lançado pelo nosso autor [Dufrenne], quando, a propósito do poder evocativo e expressivo da fala originária da obra de arte, nos alerta: «Não acreditai que esta fala diz o seu autor e que, por exemplo, revela os seus fantasmas: a obra autêntica não é um sintoma e não deve ser tratada como tal, J. F. Lyotard mostrou-o muito bem» (EP, II, 166). Uma intimidade que se converta em pretexto de uma função clínica não interessa a Dufrenne. Caso contrário, a arte reduzir-se-ia a uma terapia para o artista, e para o espetador, a uma oportunidade de diagnóstico (cf. "Le beau", 486, b).
Neste contexto interpretativo, a nossa comunicação pretende sublinhar dois aspetos. Em primeiro lugar, refletir o alcance desta leitura crítica do sentido da intimidade. Em segundo lugar, mostrar que preservando-a destas formas de instrumentalização, a categoria da intimidade fica disponível para contribuir para uma renovação de sentido dos arquitemas fenomenológicos da intencionalidade e da constituição do objeto na experiência estética.

Bibliografia fundamental:
Dufrenne, M. Phénoménologie de l’expérience esthétique, tome I - "L’Objet esthétique" ; tome II - "La Perception esthétique", PUF, Paris, 1953
- Dufrenne, M. Le poétique, PUF, Paris, 1963 - 2e. édition  revue et augmentée, préc. de: Pour une philosophie non théologique, 1973
- Dufrenne, M. Esthétique et Philosophie, tome I, II, III, Éditions Klincksieck, Paris, 1967, 1976, 1981
- Dufrenne, M., Dino Formaggio et al. Trattato di estetica (Mikel Dufrenne, t. I - “Storia”, t. II “Teoria”, Mondadori Editore, Milano, 1981
- Dufrenne, M. L’inventaire des a priori. Recherche de l’originaire, Christian Bourgois Editeur, Paris, 1981

domingo, 3 de dezembro de 2017

Aristóteles, cientista: estudo recente confirma a sua atualidade

Como se sabe, Aristóteles não foi apenas um génio especulativo que, nesse registo, nos deixou uma obra incontornável sobre ontologia, metafísica, teologia, ética, política, estética, lógica,
 La Lagune. Et Aristote inventa la science 
psicologia, física; foi também um exímio estudioso da natureza, tentando compreender tudo o que a natureza contém, corpos celestes, animais, plantas, de tudo elaborando registos, descrições precisas e classificações.
A obra agora publicada de Armand Marie Leroi, La Lagune. Et Aristote inventa la science (Flammarion, 2017, 574 p.), atesta e demonstra a importância e a atualidade das investigações de Aristóteles nomeadamente na área da biologia, colocando questões muito atuais sobre a natureza dos seres vivos. J.-F. Dortier na revista Sciences Humaines (nº 298, déc., 2017) apresenta-nos uma síntese desta da obra, que vale a pena registar:
«Aristóteles leu e criticou os seus predecessores, os physiologoi como Xenófanes, Heraclito, Empédocles, Górgias, Demócrito, que antes dele escreveram tratados “sobre a natureza”. Mas Aristóteles não se contentou em compilar os saberes do seu tempo. Na ilha de Lesbos, onde permaneceu um tempo, dirigiu-se aos portos observar as bancas de peixe, interrogou os pescadores, sabe como os golfinhos se reproduzem, descreve a sua anatomia ao detalhe. Se os seus conhecimentos sobre os camelos ou os rinocerontes são pouco precisos e de terceira mão, sabe que é preciso considerar estes saberes indiretos com prudência. Há que considerar Aristóteles como um simples empirista, desejoso de classificar os factos, ou pelo contrário como um filósofo da natureza que especula sobre as leis da natureza sem as conhecer suficientemente? Nem um nem o outro, sugere A. M. Leroi. Aristóteles é um espírito científico que deseja compreender a natureza profunda das coisas e por isso estuda-a de perto.
“Dizer que Aristóteles era um cientista, é supor que se possa conhecer um cientista. Desde há muito tempo, os sociólogos e os filósofos tentaram apreender esta criatura, com resultados mitigados dado que as ciências que indagam possuem tanta atividade e preocupações diversas que é difícil encontrar uma definição que as englobe as todas”. No máximo pode-se dizer que um cientista é “alguém que se esforça, mediante uma investigação sistemática, por compreender a realidade que experimenta”.
Segundo esta definição ampla e generosa, que engloba tanto “os que fazem física teórica, os especialistas de besouros e certos sociólogos”, Aristóteles é certamente um verdadeiro homem de ciência. E talvez o primeiro deles.
O seu estudo sobre os animais inscreve-se na sua “teoria das quatro causas”, que guia o seu percurso. Face a todo o ser, diz-nos Aristóteles, é necessário colocar quatro questões: 1) de que é que isso é feito? (causa material), 2) o que é isso, qual é a sua essência ou a sua forma? (causa formal), 3) o que é que a anima? (causa eficiente), por fim 4) para que serve? (causa final).
Aristóteles dedicou um livro inteiro, Das Partes dos Animais, para responder à questão da causa material (de que são feitos os animais?). Não menos de 500 espécies são classificadas (segundo um sistema de classificação muito engenhoso que procura articular diversos critérios) e descritas. Conhecia a anatomia interna de 110 espécies. Os rins e a bexiga de uma vaca ou de uma tartaruga não tinham segredo para ele. Quanto às ovelhas: “Aristóteles conhecia bastante de criação de ovelhas”.
Aristóteles - Estagira (Macedónia)
384-322a.C
Mas a questão que o preocupa é a do nascimento das formas (a causa formal): “Como é que um humano dá origem a um humano e não a um cavalo?” A resposta idealista de Platão, que defendia que a forma dos seres (da formiga ou do cavalo) provinha das formas ideais vindas do céu das ideias puras, não o podia satisfazer. Os seguidores de Hipócrates evocavam a partilha dos fluídos do pai e da mãe aquando do acasalamento.  Aristóteles foi mais longe na investigação. Em A Geração dos animais, dedicou muitas páginas a descrever o aparelho sexual dos canários, leões, macacos, insetos… Interessou-se pelo esperma que é o vetor pelo qual as formas se transmitem. Também observou os embriões para ver se o feto está já formado ou não.
Há algum tempo, parecia que a questão de Aristóteles sobre a génese das formas estava já resolvida: o segredo das formas vivas está no ADN. Com a ressalva de que a biologia entrou hoje numa idade da epigénese que refuta o papel exclusivo dos genes na construção dos organismos.
Uma nova disciplina se dedica ao estudo da morfogénese (ou génese das formas) dos seres vivos e procura captar o papel respetivo dos genes, das condicionantes mecânicas e da ação do meio na formação dos organismos.
Acontece que aquele que relançou o estudo da morfogénese é o inglês sir d’Arcy Thompson (1860-1948). Não se trata de um acaso se, alguns anos antes da redação da sua obra fundadora sobre o desenvolvimento das formas (1910) se entregou à tradução das Histórias dos animais de Aristóteles. Foi também Arcy Thompson quem colocou A. M. Leroi na pista de uma de uma “larga e calma lagoa” situada na ilha de Lesbos onde parece que Aristóteles foi observar a diversidade de peixes e de conchas.» (Tradução adaptada por Carlos B. Morais).