quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Oriente e Ocidente: complementaridades religiosas em prol do ser humano

Diário do Minho, 04/12/2019, p. 16
[Texto publicado no Jornal Diário do Minho, 04.12.2019]


Passados uns bons pares de anos, surgiu-me recentemente a oportunidade de regressar à lecionação de uma das matérias da minha predileção: o pensamento oriental, na sua mescla mais genuína, feita de filosofia, religião e espiritualidade.
Nesta espécie de «regresso às origens» tive a graça de encontrar turmas motivadas pela matéria, a que não será estranha esta atração pelo Oriente da sabedoria, da meditação e do Yoga, dos Mestres iluminados, do relaxamento e da busca de cura para tanto sofrimento com que o estilo de vida ocidental nos tem esmagado…
Independentemente do assunto estar agora, segundo parece, muito na moda (sempre o considerei atual), o que é certo é que, grandes e sérios pensadores, ao longo da História, têm alertado para os riscos que emergem sempre que estas duas  metades do planeta se ignoram ou se hostilizam, em contraponto com os benefícios e vantagens provindos de uma visão holística e compreensiva das suas complementaridades, da unidade que lhes está subjacente.
Tem sido esta a linha hermenêutica que me tem guiado nos programas que tenho desenvolvido com as respetivas turmas. Partimos da ideia orientadora de que, mesmo quando se manifestam como tradições discordantes, pensamento oriental e pensamento ocidental contribuem, por isso mesmo e decisivamente, para uma visão mais completa do ser humano. Daí a importância de um conhecimento aprofundado das suas doutrinas matriciais, escolas, autores, e obras mais significativas.
A aceitação generalizada desta perspetiva interpretativa leva a que, hoje, não exista praticamente nenhuma área do conhecimento e da atividade humanas que não procure cruzar, mediante aprofundados estudos interculturais, as raízes e os legados da sabedoria oriental e da sabedoria ocidental (designação intencionalmente generalista), desde o âmbito da religião à economia, da estética à ciência, da arte à gestão, da literatura à política, etc.
Como demonstração dos benefícios deste pragmático estudo, que designo de “regime de complementaridades”, aqui deixo dois ou três exemplos que considero significativos.
O primeiro caso: um jovem estudante da Faculdade de Teologia de Braga, membro de uma Ordem Religiosa, que no ano transato integrava uma das turmas, entusiasmou-se pelo pensamento do filósofo chinês Mêncius, cuja Obra foi traduzida pelo eminente sinólogo Jesuíta, Pe. Joaquim Guerra. Este jovem encontrou nestes textos matérias, pontos de vista e orientações que lhe permitem estabelecer amplas pontes com o Cristianismo. 
O segundo caso, passou-se recentemente, no contexto da prestação de Provas de Mestrado em Estudos Interculturais Português/Chinês, de uma jovem chinesa, na Universidade do Minho. A jovem acabava de concluir brilhantemente a defesa da sua excelente dissertação, tendo comparado o catolicismo e o protestantismo na China e em Portugal. Já em descontraído diálogo, finalizadas as formalidades académicas, perguntei-lhe em que tipo de ocupação laboral pensava ela aplicar os conhecimentos da sua tese. No meu imaginário, presumia que o leque não fosse muito além de um hipotético trabalho na área do ensino, ou numa Igreja… Pois, qual o espanto quando me responde que não, o que ela almeja é mesmo integrar, como tradutora, os quadros de uma empresa, no sector industrial, ou no comércio… Mas, e porquê esta aquisição de bagagem de cultura religiosa? Não seria muito mais adequado ter investigado doutrinas da economia, da gestão, do direito…? O mistério esclarece-se rapidamente, na graciosidade da sua pronta resposta: «sem conhecermos a estrutura religiosa dos povos, não entendemos nada do ser humano!» Eis um axioma universal, tanto lá como cá – tem toda a razão!
Finalmente, para reforço deste “regime de complementaridades”, indico duas significativas referências bibliográficas atuais.
A primeira publicação tem como autor Stephan Rothlin S.I. e intitula-se “La dottrina sociale della Chiesa in Cina, Un riferimento per l’etica degli affari” (La Civiltà Cattolica, 2019, I, nº 4046, pp. 129-140). Neste artigo é revisitado o documento A vocação do gestor - publicado pelo então Pontifício Conselho da Justiça e Paz em 2011 e recentemente traduzido para chinês - para evidenciar o papel da Doutrina Social da Igreja na construção de um quadro de referência para a ética dos negócios internacionais. Mostra, também, como esta Doutrina se pode ligar à filosofia moral confuciana, em modalidades que asseguram especificamente um melhoramento da ética comercial internacional na China.
A segunda publicação é um longo estudo de quase 400 páginas do autor Zhang Yunliang, intitulado “Lao Tzu and the Bible. Valutazione critica dell’opera di Yuan Zhiming” (Rivista Sacra Doctrina, vol. 62, fasc. 2, 2017). Como o título indica, trata-se de um profundo estudo comparado das religiões taoista e cristã, centrado na obra de Yuan Zhiming. Para além de outros aspetos, é um trabalho de grande valor para a compreensão da evangelização e da inculturação na China.
A quem interessar, estas duas publicações periódicas podem ser consultadas na Biblioteca da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da UCP. [Carlos Bizarro Morais]
Alunos do Seminário Temático em "Espiritualidades Orientais" - Faculdade de Teologia / Braga