Deuses e deusas da mitologia grega
REPOSIÇÃO DE TRABALHO
Texto de Samuel
F. Beirão, aluno do 1º ano da Licenciatura em Filosofia. Realizado no âmbito da Unidade Curricular de Filosofia Antiga, a
propósito do documentário “Os deuses e deusas da mitologia grega”, de Bram
Rosse (material didático do Capítulo: Condições favoráveis ao aparecimento da Filosofia na Grécia").
Universidade Católica – Braga, 10.12.2009
A análise a
este documentário vem no seguimento do estudo dos pré-socráticos, na disciplina
de História
da Filosofia Antiga. Este documentário pode dividir-se em duas
partes: a religião grega e as suas repercussões no mundo romano e no
cristianismo.
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Os Doze Deuses Olímpicos Nicolas-André Monsiau,finais do séc. XVIII |
Antes de tudo,
as Graças deram a beleza ao homem e as Musas as suas características. As Musas,
filhas de Zeus e Mnemósine e habitantes de Olimpo, aparecem pela primeira vez
no “Hino às Musas”, da Teogonia, de Hesíodo (1-115). São nove: a mais velha,
Calíope, Clio, Euterpe, Talia, Melpómene, Terpsícore, Erato, Polímnia, Urânia.
. Calíope sempre foi tida como a mais notável, a companheira dos reis, a que
inspirava na administração da justiça. Às outras, pela sua fama de
inspiradoras, foram-lhes atribuídas as artes, na época romana tardia. Assim,
Calíope ficou com a Épica heróica; Clio, com a História; Euterpe, com a Música;
a Comédia foi dada a Talia; a Tragédia, a Melpómene que, subsidiariamente, era
a Musa do Canto e da Música; a Dança era a arte de Terpsícore; a Poesia Lírica,
de Erato; a Mímica pertencia a Polimnia; e a Astronomia, a Urânia.
Os gregos
tinham muito orgulho na forma humana, por isso atribuíram-na também aos deuses.
Os deuses faziam o que lhes apetecia, eram superiores, mas estavam sujeitos às
mesmas paixões, falhas e fraquezas que os homens. E estes tinham de refrear os
seus apetites, por temor aos deuses, que não eram perfeitos, mas poderosos.
Aliás, os homens criticavam os deuses.
Como vemos, o
homem grego teve necessidade de criar estas entidades superiores para reger as
suas relações sociais, a quem agradecer os seus dons e a quem atribuir as
culpas dos seus males.
As
Cidades-Estado gregas eram autónomas, embora tivessem língua, cultura e
comércio comuns. Isto possibilitou que existissem deuses comuns a todas as
Cidades e deuses privados. Temos Atena, Zeus, Hermes, Hera, Eros, Efesto,
Poseidon, Pan, Artémis, Demeter e tantos outros, cada um com as suas
características, as suas histórias, os seus poderes e vinganças. Até havia um
altar para venerar o deus desconhecido, não fossem os gregos esquecer-se de
algum, que os podia castigar, por não ser adorado. Os Jogos Olímpicos eram uma
forma de celebrar e honrar os deuses, oferecendo-lhes os atletas o seu gasto de
energia, o seu suor, as suas vitórias.
É neste
contexto que a filosofia e o mundo intelectual encontram condições para
florescer, em Atenas e por toda a Grécia: os gregos racionalizavam tudo.
Começam a
questionar-se sobre a sua existência, a causa, a origem: para Tales de Mileto,
a origem de tudo está na água: “todas as coisas estão cheias de deuses”, diz.
Para ele, a água é o deus supremo.
Dois
contemporâneos seus encontram outras primeiras causas para tudo o que existe:
para Anaximandro, o primeiro princípio de tudo é o Indeterminado; para Anaxímenes,
é o ar infinito.
Mas nestes
Autores ainda não encontramos o conceito de deuses como o conhecemos; para
eles, deuses são dotados de uma energia física, intelectual e afectiva bem à
maneira natural e antropológica. Não pensam os deuses como hoje pensamos Deus,
o Criador de todas as coisas, inclusive do homem. Ainda que os deuses sejam
mais poderosos, homens e deuses concorrem. E misturam-se.
O documentário
põe em evidência o lugar sagrado de Delfos. Em Delfos, vivia a sacerdotisa
Pitia. Neste oráculo, podia perscrutar-se o futuro. Governavam Delfos Apolo e
Dionisos. Apolo é a símbolo da ordem pública, da razão. Dionisos, por seu
turno, simboliza a desordem, a vitalidade, a bebedeira, o excesso. Esta
dicotomia foi sempre tão forte e influente que atravessou a História até
Nietzsche, que n’O Nascimento da Tragédia opõe o espírito apolíneo ao espírito
dionisíaco, a arte do escultor e a arte da música isenta de imagens; o sonho e
o êxtase.
Além dos deuses
do Olimpo, os gregos admitiam também as divindades do mundo subterrâneo,
habitado por existências sombrias, onde não havia vida consciente. O seu lugar
terrível estava identificado como o Hades.
Para os gregos,
é claríssima a distinção entre o corpo e a alma. Vejamos o que Platão põe na
boca de Sócrates, no diálogo Fedro: “O ser vivo e mortal é o conjunto do corpo
e da alma, solidamente ajustados um ao outro (…) Deus é um ser vivo imortal que
possui uma alma, que também possui um corpo, ambos unificados para uma duração
eterna” (246c).
A alma – psique
(respirar) – do recém-morto há-de atravessar o Rio Aqueronte, levada por
Caronte, até ao Hades. A morte é a eternidade de sonhos vazios. Existem dois
níveis, no Hades: o Erebus, para onde as almas vão logo a seguir à morte, e o
Tartarus, para onde vão as almas que ofenderam os deuses.
Foram os homens
gregos que criaram esta religião olímpica, por precisarem de uma alteridade a
quem entregassem o poder, a fim de serem regidos desde cima e, não, uns pelos
outros. E, agora, tudo lhes chega desde o exterior, provindo dos apetites, dos
sentimentos e das paixões dos seus deuses. Assim era o mundo religioso grego.
A segunda parte
do documentário fala-nos da incidência da religião grega nos romanos e no
cristianismo.
Os romanos
descobriram a religião grega no séc.III a. C. e sobrevalorizaram-na: atribuíram
nomes romanos aos deuses gregos e deram-lhes um estatuto ainda mais elevado.
Com a extensão
do Império até à Judeia, é normal que o cristianismo beba das culturas grega e
romana. Em especial, o Apóstolo Paulo, cidadão romano, que viaja pelo Império
Romano e pelas ilhas gregas. Chega a falar no Areópago acerca do verdadeiro
Deus, Criador de todas as coisas e perto de cada um dos homens (Act 17, 22-27).
Esta é uma novidade: um Deus único.
Os alicerces
gregos ajudaram à propagação do cristianismo, ainda que não tenham relação
directa. Podemos notá-lo nestes três exemplos:
1) Jesus, Filho
de Deus, nascido de uma mortal (como os heróis gregos).
2) O conceito
de pecado derivado do termo grego amarthia, falhar o alvo.
3) A moralidade
pessoal, questão abordada já nos mitos gregos.
Todos estes
elementos mostram que a religiosidade grega e a problemática em seu torno é uma
questão actual, atravessou milénios
Terminamos com
a última ideia do documentário: há uma força enorme que controla os humanos.
Temos de a respeitar. A consciência da existência desta força e as perguntas
sem resposta fizeram as questões gregas chegarem até hoje.
Bibliografia:
·
Bíblia Sagrada, Actos dos Apóstolos, 17,
22-27.
·
Logos –
Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia,Verbo:
Platão.
·
Gauchet, M. - “A dívida do sentido e as raízes do
Estado. Política da Religião Primitiva” in AAVV, Guerra, Religião, Poder, Lisboa:
Ed. 70, 1980, p. 51-88.
·
Gilson, E. – Deus e a Filosofia, trad.
de Aida Macedo. Lisboa: Ed. 70, 1941.
·
Nietzsche, F. – Nascimento da Tragédia, Trad.
de Helga Hoock Quadrado. Lisboa: Relógio d’Água Editores, Junho de 1997.
·
Platão – Fedro. Trad. de Pinharanda
Gomes. Lisboa: Guimarães e C.ª Editores, 1981.
(Este trabalho esteve anteriormente publicado no endereço: http://www.eacfacfil.net/?m=201506, em 30.06.2015)
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