A partilha da “Palabre” na Filosofia Africana
No presente semestre, a
viagem intelectual proposta aos meus alunos teve como destino África.
Precisamente, a Filosofia Africana, na sua problemática caracterização geral e
nas suas expressões mais específicas, nos domínios da ética, da arte, da
linguagem, da religião, da política...
Dos muitos conceitos e perspetivas merecedoras de refletida atenção, os filósofos africanos
propõem-nos, no campo social e político, a recuperação de um conceito - que é também uma "praxis" - que tem gerado na turma muito interesse e debate. Trata-se da experiência comunitária da partilha da Palabre/Palavra, a que eles atribuem uma importância notável.
Este termo, e mais
especificamente a expressão “l’Arbre à Palabres” (Árvore das palavras), designa
o lugar tradicional de reunião, à sombra da qual a comunidade se exprime e
ouve a palavra dos mais velhos, discutindo e tomando posição sobre os múltiplos
aspetos da vida em sociedade, sobre os problemas da aldeia, sobre a política,
uma discussão alargada e em palavras simples. É também o lugar onde as crianças
vêm ouvir contar histórias pelo ancião da comunidade. Por extensão, a expressão
pode indicar, também, o sítio da aldeia onde se encontrava a tal “árvore das palavras”,
geralmente uma árvore de baobá. Noutras latitudes, pode ainda referir o local
onde os estudantes se reúnem para discutir a sua vida social e universitária.
Do ponto de vista político, "jurídico" e também ético, esta tradição
incorpora um significado de fonte da legitimação "democrática" da
decisão da comunidade, a raiz ancestral de uma prática de consenso; socialmente
simboliza, também, a força humana do grupo de pertença e naturalmente a
importância das relações sociais.
Como se percebe, ao exercício desta permuta de palavras é reconhecida uma função comunicativa e fundadora. Muitos filósofos africanos revalorizam esta experiência, por ser fortemente identitária e potenciar o pluralismo típico das sociedades tradicionais, onde o consentimento público é negociado segundo práticas codificadas pela oralidade.
Para além de muitos
outros aspetos que tornam este conceito de grande interesse para pensar a
sociedade, parece-me possuir grande potencial para tempos de crise, como o que
estamos vivendo.
O romance A Árvore das Palavras (1997), da escritora portuguesa Teolinda Gersão dá-nos uma certa imagem e evocação dessa realidade, vivenciada em Moçambique, pouco antes da independência.
Os movimentos “Ondjango”
em Angola e “Djemberém” na Guiné Bissau são atuais continuadores das tradições
da “Árvore das Palavras”; nesta linha, ver os materiais:
- Podcast “Ondjango, Arminda Fernando Filipe”
- Filme Djemberém ou la hutte du dialogue, Filme de Cinzia d'Auria (2013 - Guinée-Bissau). Realizado pelo grupo Fifito & Bumbulum, um grupo composto por artistas da Guiné-Bissau, dentre eles Filomeno Lopes e pela associação Zoe Onlus. Obra de homenagem às tradições da África Ocidental, onde o «Djemberém» refere a cabana do diálogo, lugar onde, segundo os usos e costumes, os anciãos se reúnem para discutirem e procurar soluções às diversas controvérsias sociais.
Bibliografia complementar
Obrigado por nos proporcionar essa viagem intelectual, nos abrir aos conhecimentos diversos, neste caso africano. E a possibilidade de pensar sobre a "palabre" nos permite pensar sobre nossa existência além de nós mesmos, na relação com o outro que é importante e também através de uma relação de afetos que se manifesta em possíveis consensos.
ResponderEliminarAvaliando o percurso histórico deste grande continente Africano é inegável a Filosofia Africana. Esta produção filosófica confronta-nos com os seus caracteres linguísticos, que não falam grego, mas falam da originalidade ancestral do homem, e da sua orientação para o bem da comunidade e do outro em detrimento do EU. A Filosofia Africana vai saindo da sombra, para onde foi impulsionada. Revela-se, iluminada pelo homem sem cor, sem raça e sem género, pelo amigo do saber, na ânsia de alargar o horizonte dos que o rodeiam, pois essa é a missão do Sábio, totalmente indiferente ao que os sofistas possam validar e legitimar. O escravo moderno, acorrentado sai da caverna e cego pela luz, é-lhe imperativo irradiar o outro com a partilha da luz e da verdade. A palavra, traduz o ideal do homem e ambos são livres, desde tempos imemoriáveis, os sofistas ludibriam com truques de eloquência e ilusionismo aqueles menos preparados para separar o trigo do joio. É imperativo sair da caverna e deixar-se iluminar pela luz, pois esta nasce para todos, menos para aqueles que comodamente escolhem a penumbra confortável do escuro e da ignorância. A Árvore das palavras é o encontro das partes, que formam o todo, tem muitos nomes e muitas designações, cada um escolherá aquela que lhe parecer mais conveniente, formatados pela matriz grega, mas a palabre vai seguindo livre na sua missão, alheia aos rótulos e ao enclausuramento que lhe queremos impingir.
ResponderEliminarMuito obrigada Professor,
que o Amor á sabedoria irradie em todos o melhor que o EU pode ser e partilhar.