Oriente e Ocidente: complementaridades religiosas em prol do ser humano
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Diário do Minho, 04/12/2019, p. 16 |
[Texto publicado no Jornal Diário do Minho, 04.12.2019]
Passados
uns bons pares de anos, surgiu-me recentemente a oportunidade de regressar à
lecionação de uma das matérias da minha predileção: o pensamento oriental, na
sua mescla mais genuína, feita de filosofia, religião e espiritualidade.
Nesta
espécie de «regresso às origens» tive a graça de encontrar turmas motivadas
pela matéria, a que não será estranha esta atração pelo Oriente da sabedoria,
da meditação e do Yoga, dos Mestres iluminados, do relaxamento e da busca de cura
para tanto sofrimento com que o estilo de vida ocidental nos tem esmagado…
Independentemente
do assunto estar agora, segundo parece, muito na moda (sempre o considerei
atual), o que é certo é que, grandes e sérios pensadores, ao longo da História,
têm alertado para os riscos que emergem sempre que estas duas metades do planeta se ignoram ou se
hostilizam, em contraponto com os benefícios e vantagens provindos de uma visão
holística e compreensiva das suas complementaridades, da unidade que lhes está
subjacente.
Tem
sido esta a linha hermenêutica que me tem guiado nos programas que tenho
desenvolvido com as respetivas turmas. Partimos da ideia orientadora de que,
mesmo quando se manifestam como tradições discordantes, pensamento oriental e
pensamento ocidental contribuem, por isso mesmo e decisivamente, para uma visão
mais completa do ser humano. Daí a importância de um conhecimento aprofundado
das suas doutrinas matriciais, escolas, autores, e obras mais significativas.
A
aceitação generalizada desta perspetiva interpretativa leva a que, hoje, não
exista praticamente nenhuma área do conhecimento e da atividade humanas que não
procure cruzar, mediante aprofundados estudos interculturais, as raízes e os
legados da sabedoria oriental e da sabedoria ocidental (designação intencionalmente
generalista), desde o âmbito da religião à economia, da estética à ciência, da
arte à gestão, da literatura à política, etc.
Como
demonstração dos benefícios deste pragmático estudo, que designo de “regime de
complementaridades”, aqui deixo dois ou três exemplos que considero
significativos.
O
primeiro caso: um jovem estudante da Faculdade de Teologia de Braga, membro de
uma Ordem Religiosa, que no ano transato integrava uma das turmas, entusiasmou-se
pelo pensamento do filósofo chinês Mêncius, cuja Obra foi traduzida pelo eminente
sinólogo Jesuíta, Pe. Joaquim Guerra. Este jovem encontrou nestes textos
matérias, pontos de vista e orientações que lhe permitem estabelecer amplas
pontes com o Cristianismo.
O
segundo caso, passou-se recentemente, no contexto da prestação de Provas de Mestrado em Estudos
Interculturais Português/Chinês, de uma jovem chinesa, na Universidade
do Minho. A jovem acabava de concluir brilhantemente a defesa da sua excelente dissertação,
tendo comparado o catolicismo e o protestantismo na China e em Portugal. Já em
descontraído diálogo, finalizadas as formalidades académicas, perguntei-lhe em
que tipo de ocupação laboral pensava ela aplicar os conhecimentos da sua tese.
No meu imaginário, presumia que o leque não fosse muito além de um hipotético
trabalho na área do ensino, ou numa Igreja… Pois, qual o espanto quando me
responde que não, o que ela almeja é mesmo integrar, como tradutora, os quadros
de uma empresa, no sector industrial, ou no comércio… Mas, e porquê esta
aquisição de bagagem de cultura religiosa? Não seria muito mais adequado ter
investigado doutrinas da economia, da gestão, do direito…? O mistério esclarece-se
rapidamente, na graciosidade da sua pronta resposta: «sem conhecermos a
estrutura religiosa dos povos, não entendemos nada do ser humano!» Eis um
axioma universal, tanto lá como cá – tem toda a razão!
Finalmente, para reforço deste “regime de
complementaridades”, indico duas significativas referências bibliográficas
atuais.
A
primeira publicação tem como autor Stephan Rothlin
S.I. e intitula-se “La dottrina sociale della Chiesa in Cina, Un riferimento
per l’etica degli affari” (La Civiltà Cattolica, 2019, I, nº 4046, pp.
129-140). Neste artigo é revisitado o documento A vocação do gestor - publicado
pelo então Pontifício Conselho da Justiça e Paz em 2011 e recentemente
traduzido para chinês - para evidenciar o papel da Doutrina Social da Igreja na
construção de um quadro de referência para a ética dos negócios internacionais.
Mostra, também, como esta Doutrina se pode ligar à filosofia moral confuciana, em
modalidades que asseguram especificamente um melhoramento da ética comercial
internacional na China.
A segunda publicação é um longo estudo de quase 400 páginas do
autor Zhang Yunliang, intitulado “Lao Tzu and the Bible. Valutazione critica
dell’opera di Yuan Zhiming” (Rivista Sacra Doctrina, vol. 62, fasc. 2,
2017). Como o título indica, trata-se de um profundo estudo comparado das
religiões taoista e cristã, centrado na obra de Yuan Zhiming. Para além de
outros aspetos, é um trabalho de grande valor para a compreensão da
evangelização e da inculturação na China.
A
quem interessar, estas duas publicações periódicas podem ser consultadas na
Biblioteca da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da UCP. [Carlos Bizarro Morais]
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Alunos do Seminário Temático em "Espiritualidades Orientais" - Faculdade de Teologia / Braga |
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