Aristóteles, cientista: estudo recente confirma a sua atualidade
Como
se sabe, Aristóteles não foi apenas um génio especulativo que, nesse registo, nos
deixou uma obra incontornável sobre ontologia, metafísica, teologia, ética,
política, estética, lógica,
psicologia, física; foi também um exímio estudioso
da natureza, tentando compreender tudo o que a natureza contém, corpos celestes,
animais, plantas, de tudo elaborando registos, descrições precisas e
classificações.
![]() |
La Lagune. Et Aristote inventa la science |
A obra
agora publicada de Armand Marie Leroi, La
Lagune. Et Aristote inventa la science (Flammarion, 2017, 574 p.),
atesta e demonstra a importância e a atualidade das investigações de Aristóteles
nomeadamente na área da biologia, colocando questões muito atuais sobre a natureza
dos seres vivos. J.-F. Dortier na revista Sciences
Humaines (nº 298, déc., 2017) apresenta-nos uma síntese desta da obra, que
vale a pena registar:
«Aristóteles
leu e criticou os seus predecessores, os physiologoi como Xenófanes,
Heraclito, Empédocles, Górgias, Demócrito, que antes dele escreveram tratados “sobre
a natureza”. Mas Aristóteles não se contentou em compilar os saberes do seu
tempo. Na ilha de Lesbos, onde permaneceu um tempo, dirigiu-se aos portos
observar as bancas de peixe, interrogou os pescadores, sabe como os golfinhos
se reproduzem, descreve a sua anatomia ao detalhe. Se os seus conhecimentos
sobre os camelos ou os rinocerontes são pouco precisos e de terceira mão, sabe
que é preciso considerar estes saberes indiretos com prudência. Há que considerar
Aristóteles como um simples empirista, desejoso de classificar os factos, ou
pelo contrário como um filósofo da natureza que especula sobre as leis da
natureza sem as conhecer suficientemente? Nem um nem o outro, sugere A. M.
Leroi. Aristóteles é um espírito científico que deseja compreender a natureza
profunda das coisas e por isso estuda-a de perto.
“Dizer que Aristóteles era um cientista, é supor que
se possa conhecer um cientista. Desde há muito tempo, os sociólogos e os filósofos
tentaram apreender esta criatura, com resultados mitigados dado que as ciências
que indagam possuem tanta atividade e preocupações diversas que é difícil
encontrar uma definição que as englobe as todas”. No máximo
pode-se dizer que um cientista é “alguém
que se esforça, mediante uma investigação sistemática, por compreender a
realidade que experimenta”.
Segundo esta
definição ampla e generosa, que engloba tanto “os que fazem física teórica, os especialistas de besouros e certos
sociólogos”, Aristóteles é certamente um verdadeiro homem de ciência. E
talvez o primeiro deles.
O seu estudo
sobre os animais inscreve-se na sua “teoria das quatro causas”, que guia o seu
percurso. Face a todo o ser, diz-nos Aristóteles, é necessário colocar quatro
questões: 1) de que é que isso é feito? (causa material), 2) o que é isso, qual
é a sua essência ou a sua forma? (causa formal), 3) o que é que a anima? (causa
eficiente), por fim 4) para que serve? (causa final).
Aristóteles
dedicou um livro inteiro, Das Partes dos
Animais, para responder à questão da causa material (de que são feitos os
animais?). Não menos de 500 espécies são classificadas (segundo um sistema de
classificação muito engenhoso que procura articular diversos critérios) e
descritas. Conhecia a anatomia interna de 110 espécies. Os rins e a bexiga de
uma vaca ou de uma tartaruga não tinham segredo para ele. Quanto às ovelhas: “Aristóteles conhecia bastante de criação de
ovelhas”.
![]() |
Aristóteles - Estagira (Macedónia) 384-322a.C |
Mas a questão
que o preocupa é a do nascimento das formas (a causa formal): “Como é que um humano dá origem a um humano
e não a um cavalo?” A resposta idealista de Platão, que defendia que a
forma dos seres (da formiga ou do cavalo) provinha das formas ideais vindas do
céu das ideias puras, não o podia satisfazer. Os seguidores de Hipócrates
evocavam a partilha dos fluídos do pai e da mãe aquando do acasalamento. Aristóteles foi mais longe na investigação. Em
A Geração dos animais, dedicou muitas
páginas a descrever o aparelho sexual dos canários, leões, macacos, insetos… Interessou-se
pelo esperma que é o vetor pelo qual as formas se transmitem. Também observou
os embriões para ver se o feto está já formado ou não.
Há algum tempo,
parecia que a questão de Aristóteles sobre a génese das formas estava já
resolvida: o segredo das formas vivas está no ADN. Com a ressalva de que a
biologia entrou hoje numa idade da epigénese que refuta o papel exclusivo dos
genes na construção dos organismos.
Uma nova
disciplina se dedica ao estudo da morfogénese (ou génese das formas) dos seres
vivos e procura captar o papel respetivo dos genes, das condicionantes mecânicas
e da ação do meio na formação dos organismos.
Acontece que aquele
que relançou o estudo da morfogénese é o inglês sir d’Arcy Thompson (1860-1948). Não se trata de um acaso se, alguns anos
antes da redação da sua obra fundadora sobre o desenvolvimento das formas
(1910) se entregou à tradução das Histórias
dos animais de Aristóteles. Foi também Arcy Thompson quem colocou A. M. Leroi
na pista de uma de uma “larga e calma
lagoa” situada na ilha de Lesbos onde parece que Aristóteles foi observar a
diversidade de peixes e de conchas.» (Tradução adaptada por Carlos B. Morais).
Comentários
Enviar um comentário