domingo, 3 de dezembro de 2017

Aristóteles, cientista: estudo recente confirma a sua atualidade

Como se sabe, Aristóteles não foi apenas um génio especulativo que, nesse registo, nos deixou uma obra incontornável sobre ontologia, metafísica, teologia, ética, política, estética, lógica,
 La Lagune. Et Aristote inventa la science 
psicologia, física; foi também um exímio estudioso da natureza, tentando compreender tudo o que a natureza contém, corpos celestes, animais, plantas, de tudo elaborando registos, descrições precisas e classificações.
A obra agora publicada de Armand Marie Leroi, La Lagune. Et Aristote inventa la science (Flammarion, 2017, 574 p.), atesta e demonstra a importância e a atualidade das investigações de Aristóteles nomeadamente na área da biologia, colocando questões muito atuais sobre a natureza dos seres vivos. J.-F. Dortier na revista Sciences Humaines (nº 298, déc., 2017) apresenta-nos uma síntese desta da obra, que vale a pena registar:
«Aristóteles leu e criticou os seus predecessores, os physiologoi como Xenófanes, Heraclito, Empédocles, Górgias, Demócrito, que antes dele escreveram tratados “sobre a natureza”. Mas Aristóteles não se contentou em compilar os saberes do seu tempo. Na ilha de Lesbos, onde permaneceu um tempo, dirigiu-se aos portos observar as bancas de peixe, interrogou os pescadores, sabe como os golfinhos se reproduzem, descreve a sua anatomia ao detalhe. Se os seus conhecimentos sobre os camelos ou os rinocerontes são pouco precisos e de terceira mão, sabe que é preciso considerar estes saberes indiretos com prudência. Há que considerar Aristóteles como um simples empirista, desejoso de classificar os factos, ou pelo contrário como um filósofo da natureza que especula sobre as leis da natureza sem as conhecer suficientemente? Nem um nem o outro, sugere A. M. Leroi. Aristóteles é um espírito científico que deseja compreender a natureza profunda das coisas e por isso estuda-a de perto.
“Dizer que Aristóteles era um cientista, é supor que se possa conhecer um cientista. Desde há muito tempo, os sociólogos e os filósofos tentaram apreender esta criatura, com resultados mitigados dado que as ciências que indagam possuem tanta atividade e preocupações diversas que é difícil encontrar uma definição que as englobe as todas”. No máximo pode-se dizer que um cientista é “alguém que se esforça, mediante uma investigação sistemática, por compreender a realidade que experimenta”.
Segundo esta definição ampla e generosa, que engloba tanto “os que fazem física teórica, os especialistas de besouros e certos sociólogos”, Aristóteles é certamente um verdadeiro homem de ciência. E talvez o primeiro deles.
O seu estudo sobre os animais inscreve-se na sua “teoria das quatro causas”, que guia o seu percurso. Face a todo o ser, diz-nos Aristóteles, é necessário colocar quatro questões: 1) de que é que isso é feito? (causa material), 2) o que é isso, qual é a sua essência ou a sua forma? (causa formal), 3) o que é que a anima? (causa eficiente), por fim 4) para que serve? (causa final).
Aristóteles dedicou um livro inteiro, Das Partes dos Animais, para responder à questão da causa material (de que são feitos os animais?). Não menos de 500 espécies são classificadas (segundo um sistema de classificação muito engenhoso que procura articular diversos critérios) e descritas. Conhecia a anatomia interna de 110 espécies. Os rins e a bexiga de uma vaca ou de uma tartaruga não tinham segredo para ele. Quanto às ovelhas: “Aristóteles conhecia bastante de criação de ovelhas”.
Aristóteles - Estagira (Macedónia)
384-322a.C
Mas a questão que o preocupa é a do nascimento das formas (a causa formal): “Como é que um humano dá origem a um humano e não a um cavalo?” A resposta idealista de Platão, que defendia que a forma dos seres (da formiga ou do cavalo) provinha das formas ideais vindas do céu das ideias puras, não o podia satisfazer. Os seguidores de Hipócrates evocavam a partilha dos fluídos do pai e da mãe aquando do acasalamento.  Aristóteles foi mais longe na investigação. Em A Geração dos animais, dedicou muitas páginas a descrever o aparelho sexual dos canários, leões, macacos, insetos… Interessou-se pelo esperma que é o vetor pelo qual as formas se transmitem. Também observou os embriões para ver se o feto está já formado ou não.
Há algum tempo, parecia que a questão de Aristóteles sobre a génese das formas estava já resolvida: o segredo das formas vivas está no ADN. Com a ressalva de que a biologia entrou hoje numa idade da epigénese que refuta o papel exclusivo dos genes na construção dos organismos.
Uma nova disciplina se dedica ao estudo da morfogénese (ou génese das formas) dos seres vivos e procura captar o papel respetivo dos genes, das condicionantes mecânicas e da ação do meio na formação dos organismos.
Acontece que aquele que relançou o estudo da morfogénese é o inglês sir d’Arcy Thompson (1860-1948). Não se trata de um acaso se, alguns anos antes da redação da sua obra fundadora sobre o desenvolvimento das formas (1910) se entregou à tradução das Histórias dos animais de Aristóteles. Foi também Arcy Thompson quem colocou A. M. Leroi na pista de uma de uma “larga e calma lagoa” situada na ilha de Lesbos onde parece que Aristóteles foi observar a diversidade de peixes e de conchas.» (Tradução adaptada por Carlos B. Morais).

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